“Inovação na veia”“Inovação na veia”

27-10-2014

Divulgação Zahpee
Outubro de 2014

Para Ivan Moura Campos, um dos responsáveis pela Internet do país, as empresas brasileiras precisam ser mais inovadoras.

Quando a Internet comercial começou a operar oficialmente no Brasil, lá em meados dos anos 1990, ele era o secretário nacional de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia. Anos depois, de volta ao ambiente acadêmico, estava por trás da Akwan Technologies, empresa mineira posteriormente comprada pelo Google e transformada em seu centro de desenvolvimento para a América Latina.

PhD em ciência da computação pela Universidade da Califórnia, Ivan Moura Campos, que também já foi chefe do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está de volta, agora à frente da Zahpee, que faz mineração de dados de redes sociais em tempo real. Nesta entrevista à revista.br, ele fala sobre sua trajetória, seus planos e sobre o que é empreender no Brasil.

Como o senhor se envolveu com o início da Internet no Brasil?

I.M_Em 1991, eu fui recrutado para trabalhar em Brasília, como diretor de programas especiais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, naquela época, a Rede Nacional de Pesquisas (RNP), que integrava as universidades brasileiras, estava praticamente descontinuada. Os links eram precários, de 9.600 bps (bits por segundo). Eram modestos, conectavam poucas capitais e, ainda  por cima, a RNP devia à Embratel.

Houve um esforço para recuperar a RNP?
 
I.M_Houve. Na época, surgiu o Tadao Takahashi, que era o coordenador da RNP, e começamos a trabalhar juntos. Conseguimos autorização para firmar um convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e conseguimos recursos para reativar a RNP e ainda criar a Softex. No início de 1993, eu mudei de posto em Brasília, assumindo a Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, e fui substituído pelo Eduardo Moreira da Costa.
 
O que mudou com essa transferência?
 
I.M_Ganhamos mais força. Formamos um quarteto que começou a trabalhar mais para a reativação da RNP. Além de mim, tínhamos o Sílvio Meira, da Federal de Pernambuco, no ProTeM-CC (Programa Temático Multi-institucional em Ciência da Computação); o Tadao, na RNP; e o Eduardo Moreira da Costa, no CNPq. Juntos, conseguimos resolver a questão dos links e evoluímos para a contratação de circuitos de 64 kbps (quilobits por segundo) para a RNP.
 
De que forma esse movimento evoluiu para a Internet comercial?
 
I.M_Nessa mesma época, estava começando o processo de privatização do sistema de telecomunicações e a Embratel tinha a intenção de ser o único provedor brasileiro. A Internet comercial não existia no Brasil, mas tínhamos uma ideia de que isso [a Embratel ser o único provedor] não iria funcionar. Havia entre nós a convicção de que isso deveria ir para a iniciativa privada. Para garantir que isso ocorresse, fizemos uma articulação política grande. Tínhamos a nosso favor o Fernando Henrique Cardoso, na época presidente da República; o Sérgio Motta, que era ministro das Comunicações; e o Israel Vargas, ministro da Ciência e Tecnologia e meu chefe. Com o apoio deles, iniciamos o debate com o objetivo de liberar a participação na Internet comercial para a iniciativa privada.
 
Como isso foi feito?
 
I.M_Propusemos integrar as capitais com links de 2 Mbps (megabits por segundo), via RNP, e com isso permitiríamos que as empresas se conectassem à RNP. Naquela época, os pontos de presença eram todos operados por universidades, que é onde estava o conhecimento. Então fizemos essa articulação com as instituições. Em 31 de maio de 1995, saiu uma portaria interministerial, assinada pelos ministros das Comunicações e da Ciência e Tecnologia, definindo que a Internet seria um serviço de valor adicionado e não de telecomunicações. Essa definição liberava todos para serem provedores, exceto as companhias estatais que, por uma malandragem do Sérgio Motta na portaria, estavam proibidas de participar daquele mercado.
 
E qual foi o resultado?
 
I.M_Em pouco tempo, surgiram milhares de provedores em todo o País. O negócio se resolveu em meses. Além disso, foi criado o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), que na época tinha as incumbências do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e até funções que hoje são típicas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que era zelar pela competição. Com isso, de repente, o país passou a ter Internet comercial, teve o seu mercado aberto para a iniciativa privada e, de um dia para o outro, começou a ter Internet disponível em todos os Estados. Acho que esse foi o fato mais importante da implantação da Internet no Brasil. Foi um ato corajoso. Nós tínhamos uma comunidade acadêmica que sabia como operar redes de comunicação e, com ela, implantamos a Internet muito rapidamente, como nenhum outro país havia feito.
 
Isso foi reconhecido internacionalmente?
 
I.M_Sim. Na época fui convidado para dar palestras em diversos países do mundo para contar como esse projeto foi realizado. O Banco Mundial nos convidou para contar o que estávamos fazendo aqui. Foi um período muito interessante, com muita gente envolvida, até minha esposa foi coordenadora regional. Mas o Tadao foi o grande herói disso tudo, com sua energia. No fundo, foi um trabalho articulado com governo, academia e empresas como poucas vezes se viu no Brasil. Em paralelo a isso tudo, houve a criação do Softex e, também, muita determinação e coragem do CNPq, que colocou dinheiro no projeto.
 
Como as operadoras de telecomunicações chegaram a esse mercado?
 
I.M_Em 1998, houve a privatização das telecomunicações e as operadoras, se quisessem também ser provedoras, deveriam ter um CNPJ separado. Essa época, na verdade, envolve duas histórias paralelas e muito bonitas. Uma é a do registro .br e da lisura com que o processo foi  realizado. Em outras situações, é comum ver o trabalho de registro de domínios realizado por empresas que lucram com isso. Aqui conseguimos criar uma instituição autossustentada e que atende ao espírito público, sem ser estatal. Ela ouve a sociedade, mas é uma entidade de interesse público.
 
E qual é a outra história?
 
I.M_A outra história é a da própria Internet. O que deve ser ressaltado aqui é o papel da RNP, que realmente criou o primeiro backbone nacional e de onde saiu o conhecimento para a implantação de todos os outros backbones. Naquela época, as empresas privadas não sabiam nada sobre isso. Elas tiveram de aprender da estaca zero com as universidades. No mesmo caminho, o Softex evoluiu, saiu do governo e tornou-se uma organização civil que existe até hoje, e a RNP continua crescendo.
 
O senhor acredita que a Internet mantém essa chama de inovação, vista lá no início?
 
I.M_Não. Hoje acho que temos pouco vigor inovador nas empresas que cuidam da Internet. Um exemplo é essa demora na adoção do IPv6. Todas elas estão adotando paliativos, mesmo sabendo há anos que os endereços IPv4 iam acabar. Na verdade, eu gostaria de ver mais energia inovadora. Pode-se dizer que a maioria das operadoras é subsidiária de empresas estrangeiras, mas temos a Oi, que é brasileira e também não tem muita energia de engenharia. Eu esperaria mais de uma empresa desse tamanho operando num país do tamanho do Brasil. Há uma atitude de apenas operar a rede a um custo mínimo, e acho que aqui estamos passando do razoável.
 
Por que o senhor acha que isso  acontece?
 
I.M_Acho que as operadoras de backbone passaram a ser somente operadoras e não empresas de telecomunicação como em outros países. Não há um excitamento de engenharia significativo em comparação ao número de pessoas que temos na operação da rede, que em alguns lugares é terceirizada. Fica difícil esperar inovação num ambiente desses. Está faltando incorporar aquele espírito de ter uma engenharia  dentro de casa capaz de tomar a iniciativa e inovar. Tanto é assim que, tecnicamente falando, a RNP continua na frente em tudo. Esse é o  principal drama. Mas não houve avanços? Houve avanços em outras esferas. Na questão que desembocou no Marco Civil, por exemplo, que colocou muito bem os dois pratos na balança: garantindo direitos individuais e liberdade de expressão, de um lado, e permitindo ao Estado fazer e aplicar leis (como e quando a informação deverá estar disponível). Com isso tudo, o Brasil ficou muito bem na foto, graças a um  trabalho muito bem feito do CGI.br e do NIC.br.
 
Não temos um ambiente favorável à inovação?
 
I.M_Não, se considerarmos a nossa economia e a distribuição de geração de renda, que é um fator inevitável. Há Estados que geram menos e, por isso, têm menos recursos para investir. Por isso, mesmo com os preços em queda, a Internet no Brasil é um fenômeno de classes A, B  e, mais recentemente, C. Ela é desigual e desigualmente distribuída. Tecnicamente as operadoras são pouco inovadoras. As oportunidades são imensas e todas as operadoras andam muito devagar, as fixas e as móveis.
 
Mas há recursos humanos para aproveitar estas oportunidades?
 
I.M_Na parte de oferta de recursos humanos, há um problema de números. Temos recursos competentes, mas em número muito aquém do que seria necessário. As empresas que querem inovar têm esse problema de encontrar recursos qualificados. Por isso somos contra a regulamentação da profissão de cientista da computação, que estão querendo ressuscitar agora. O mercado sabe selecionar quem sabe e quem não sabe. Há outra coisa: da mesma maneira que reclamo das empresas de telecomunicações pela ausência de vigor na sua engenharia de telecomunicações e redes, a indústria brasileira em geral é medíocre em praticamente todos os setores.
 
Sem exceções?
 
I.M_Há exceções como Petrobras, Embraer e Embrapa, mas fora isso, acabou. O resto é medíocre. Nossa indústria não contrata PhDs. Há uma perversidade em que a universidade prepara indivíduos que são subutilizados pelo mercado, por isso eles estão nas universidades dando aula e acabam dedicando-se a temas desvinculados das cadeias de valor nacionais. Nossos cientistas produzem papers para a indústria de Primeiro Mundo.
 
Qual seria a solução para isso?
 
I.M_Haveria uma saída, que seria criar startups dentro das universidades, ou em parceria com elas, mas isso está sendo impedido por órgãos de fiscalização. São muito restritivos naquilo que acham que as universidades podem fazer. Isso piorou muito nos últimos dez anos. Antes, havia mais liberdade para as universidades públicas, mas as restrições impostas às federais pelo Tribunal de Contas da União, e às estaduais, pelos tribunais de contas estaduais, vão levar as universidades a se transformarem em colégios de terceiro grau. O problema é que de um lado há uma indústria medíocre e, de outro, profissionais competentes, mas não se consegue misturar os dois.
 
O senhor considera a Akwan Technologies um exemplo de parceria entre mercado e universidade?
 
I.M_Sim, a Akwan foi um produto dessa união. Alunos de doutorado, junto com seus professores, se uniram em 2001, para a criação de uma máquina de busca. Foi um exemplo de um grupo tecnicamente sofisticado que se aliou a um grupo de investidores. Corajosamente concorríamos com o Google aqui no Brasil, e conseguíamos isso por conta da qualidade de nossa máquina de busca, que usava algoritmos de  estado da arte. Outro diferencial nosso é que só coletávamos dados no Brasil e, com isso, conseguíamos renovar nossa base com muito mais rapidez. Atualizávamos os dados referentes ao Brasil inteiro várias vezes por mês e, com isso, nossos resultados eram sempre mais recentes.  Na mesma época, o Google estava criando seus algoritmos. Outra razão de nosso sucesso é que nós permitíamos a clientes como UOL, iG e jornais exibirem sua própria publicidade com a nossa máquina de busca, enquanto, com o Google, tinham de usar AdWords e AdSense, uma  razão a mais para não mudar.
 
Como foi a aproximação com o Google?
 
I.M_Nossos técnicos se encontravam com os técnicos do Google nas conferências internacionais, eles se conheciam. Um dia, o vice-presidente de engenharia deles estava indo para o Chile e os técnicos do Google sugeriram que ele fosse a Belo Horizonte conhecer uns  nerds que havia por lá. Ele esteve aqui e o levamos para conhecer a Akwan, era um andar com tudo aberto e duas salas de reunião de vidro. Ele olhou do outro lado da rua e perguntou o que havia ali. Disse que era a universidade. Ele disse que éramos iguais a eles, cinco anos antes. Logo depois mandou uma equipe deles passar um período em nossa empresa.
 
E como o negócio evoluiu?
 
I.M_Eles demonstraram interesse, nosso pessoal foi à Califórnia, eles vieram para cá. Foram meses de negociação ao fim dos quais eles  compraram a empresa inteira. Acabamos transformados num centro de pesquisa e desenvolvimento do Google. Não é customização, é desenvolvimento mesmo. É uma operação muito robusta. Não tem nada a ver com o escritório de São Paulo. A operação aqui é ligada a outra vice-presidência. É uma coisa importante. Tenho orgulho da contribuição para a autoestima das pessoas. Vemos aqui a meninada, que adotou isso como exemplo do que é possível. 
 
E hoje, em que projetos o senhor está envolvido?
 
I.M_Hoje estou envolvido com outra startup, uma empresa de data mining, que trabalha com big data de mídias sociais, chamada Zahpee, e estamos indo muito bem. Temos capacidade para organizar grandes quantidades de dados. Um dos monitoramentos que fizemos foi o da Copa – no primeiro dia processamos 1,2 milhão de posts do Facebook e Twitter. Temos estrutura para organizar e apresentar isso em tempo real para o cliente. É um produto mais sofisticado que o Akwan. Lá sou sênior nerd e responsável por subir a média de idade da empresa em duas décadas.
 
Há quanto tempo a Zahpee está no mercado?
 
I.M_O produto mesmo está operando há três anos. Mas migramos e mudamos de modelo de negócio, então este é o primeiro ano de operação robusta da empresa. Começamos no mercado este ano e já devemos atingir o equilíbrio. Temos esperança disso. Estamos indo bem. Este é um ano importante para nós, com a Copa e eleições, com as redes sociais sendo entendidas como importantes. O timing tem sido bom.
 

Fonte: Revista .br - Ano 05 | 2014 | Edição 07 - Página 58

Divulgação Zahpee
Outubro de 2014

Para Ivan Moura Campos, um dos responsáveis pela Internet do país, as empresas brasileiras precisam ser mais inovadoras.

Quando a Internet comercial começou a operar oficialmente no Brasil, lá em meados dos anos 1990, ele era o secretário nacional de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia. Anos depois, de volta ao ambiente acadêmico, estava por trás da Akwan Technologies, empresa mineira posteriormente comprada pelo Google e transformada em seu centro de desenvolvimento para a América Latina.

PhD em ciência da computação pela Universidade da Califórnia, Ivan Moura Campos, que também já foi chefe do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está de volta, agora à frente da Zahpee, que faz mineração de dados de redes sociais em tempo real. Nesta entrevista à revista.br, ele fala sobre sua trajetória, seus planos e sobre o que é empreender no Brasil.

Como o senhor se envolveu com o início da Internet no Brasil?

I.M_Em 1991, eu fui recrutado para trabalhar em Brasília, como diretor de programas especiais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, naquela época, a Rede Nacional de Pesquisas (RNP), que integrava as universidades brasileiras, estava praticamente descontinuada. Os links eram precários, de 9.600 bps (bits por segundo). Eram modestos, conectavam poucas capitais e, ainda  por cima, a RNP devia à Embratel.

Houve um esforço para recuperar a RNP?
 
I.M_Houve. Na época, surgiu o Tadao Takahashi, que era o coordenador da RNP, e começamos a trabalhar juntos. Conseguimos autorização para firmar um convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e conseguimos recursos para reativar a RNP e ainda criar a Softex. No início de 1993, eu mudei de posto em Brasília, assumindo a Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, e fui substituído pelo Eduardo Moreira da Costa.
 
O que mudou com essa transferência?
 
I.M_Ganhamos mais força. Formamos um quarteto que começou a trabalhar mais para a reativação da RNP. Além de mim, tínhamos o Sílvio Meira, da Federal de Pernambuco, no ProTeM-CC (Programa Temático Multi-institucional em Ciência da Computação); o Tadao, na RNP; e o Eduardo Moreira da Costa, no CNPq. Juntos, conseguimos resolver a questão dos links e evoluímos para a contratação de circuitos de 64 kbps (quilobits por segundo) para a RNP.
 
De que forma esse movimento evoluiu para a Internet comercial?
 
I.M_Nessa mesma época, estava começando o processo de privatização do sistema de telecomunicações e a Embratel tinha a intenção de ser o único provedor brasileiro. A Internet comercial não existia no Brasil, mas tínhamos uma ideia de que isso [a Embratel ser o único provedor] não iria funcionar. Havia entre nós a convicção de que isso deveria ir para a iniciativa privada. Para garantir que isso ocorresse, fizemos uma articulação política grande. Tínhamos a nosso favor o Fernando Henrique Cardoso, na época presidente da República; o Sérgio Motta, que era ministro das Comunicações; e o Israel Vargas, ministro da Ciência e Tecnologia e meu chefe. Com o apoio deles, iniciamos o debate com o objetivo de liberar a participação na Internet comercial para a iniciativa privada.
 
Como isso foi feito?
 
I.M_Propusemos integrar as capitais com links de 2 Mbps (megabits por segundo), via RNP, e com isso permitiríamos que as empresas se conectassem à RNP. Naquela época, os pontos de presença eram todos operados por universidades, que é onde estava o conhecimento. Então fizemos essa articulação com as instituições. Em 31 de maio de 1995, saiu uma portaria interministerial, assinada pelos ministros das Comunicações e da Ciência e Tecnologia, definindo que a Internet seria um serviço de valor adicionado e não de telecomunicações. Essa definição liberava todos para serem provedores, exceto as companhias estatais que, por uma malandragem do Sérgio Motta na portaria, estavam proibidas de participar daquele mercado.
 
E qual foi o resultado?
 
I.M_Em pouco tempo, surgiram milhares de provedores em todo o País. O negócio se resolveu em meses. Além disso, foi criado o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), que na época tinha as incumbências do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e até funções que hoje são típicas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que era zelar pela competição. Com isso, de repente, o país passou a ter Internet comercial, teve o seu mercado aberto para a iniciativa privada e, de um dia para o outro, começou a ter Internet disponível em todos os Estados. Acho que esse foi o fato mais importante da implantação da Internet no Brasil. Foi um ato corajoso. Nós tínhamos uma comunidade acadêmica que sabia como operar redes de comunicação e, com ela, implantamos a Internet muito rapidamente, como nenhum outro país havia feito.
 
Isso foi reconhecido internacionalmente?
 
I.M_Sim. Na época fui convidado para dar palestras em diversos países do mundo para contar como esse projeto foi realizado. O Banco Mundial nos convidou para contar o que estávamos fazendo aqui. Foi um período muito interessante, com muita gente envolvida, até minha esposa foi coordenadora regional. Mas o Tadao foi o grande herói disso tudo, com sua energia. No fundo, foi um trabalho articulado com governo, academia e empresas como poucas vezes se viu no Brasil. Em paralelo a isso tudo, houve a criação do Softex e, também, muita determinação e coragem do CNPq, que colocou dinheiro no projeto.
 
Como as operadoras de telecomunicações chegaram a esse mercado?
 
I.M_Em 1998, houve a privatização das telecomunicações e as operadoras, se quisessem também ser provedoras, deveriam ter um CNPJ separado. Essa época, na verdade, envolve duas histórias paralelas e muito bonitas. Uma é a do registro .br e da lisura com que o processo foi  realizado. Em outras situações, é comum ver o trabalho de registro de domínios realizado por empresas que lucram com isso. Aqui conseguimos criar uma instituição autossustentada e que atende ao espírito público, sem ser estatal. Ela ouve a sociedade, mas é uma entidade de interesse público.
 
E qual é a outra história?
 
I.M_A outra história é a da própria Internet. O que deve ser ressaltado aqui é o papel da RNP, que realmente criou o primeiro backbone nacional e de onde saiu o conhecimento para a implantação de todos os outros backbones. Naquela época, as empresas privadas não sabiam nada sobre isso. Elas tiveram de aprender da estaca zero com as universidades. No mesmo caminho, o Softex evoluiu, saiu do governo e tornou-se uma organização civil que existe até hoje, e a RNP continua crescendo.
 
O senhor acredita que a Internet mantém essa chama de inovação, vista lá no início?
 
I.M_Não. Hoje acho que temos pouco vigor inovador nas empresas que cuidam da Internet. Um exemplo é essa demora na adoção do IPv6. Todas elas estão adotando paliativos, mesmo sabendo há anos que os endereços IPv4 iam acabar. Na verdade, eu gostaria de ver mais energia inovadora. Pode-se dizer que a maioria das operadoras é subsidiária de empresas estrangeiras, mas temos a Oi, que é brasileira e também não tem muita energia de engenharia. Eu esperaria mais de uma empresa desse tamanho operando num país do tamanho do Brasil. Há uma atitude de apenas operar a rede a um custo mínimo, e acho que aqui estamos passando do razoável.
 
Por que o senhor acha que isso  acontece?
 
I.M_Acho que as operadoras de backbone passaram a ser somente operadoras e não empresas de telecomunicação como em outros países. Não há um excitamento de engenharia significativo em comparação ao número de pessoas que temos na operação da rede, que em alguns lugares é terceirizada. Fica difícil esperar inovação num ambiente desses. Está faltando incorporar aquele espírito de ter uma engenharia  dentro de casa capaz de tomar a iniciativa e inovar. Tanto é assim que, tecnicamente falando, a RNP continua na frente em tudo. Esse é o  principal drama. Mas não houve avanços? Houve avanços em outras esferas. Na questão que desembocou no Marco Civil, por exemplo, que colocou muito bem os dois pratos na balança: garantindo direitos individuais e liberdade de expressão, de um lado, e permitindo ao Estado fazer e aplicar leis (como e quando a informação deverá estar disponível). Com isso tudo, o Brasil ficou muito bem na foto, graças a um  trabalho muito bem feito do CGI.br e do NIC.br.
 
Não temos um ambiente favorável à inovação?
 
I.M_Não, se considerarmos a nossa economia e a distribuição de geração de renda, que é um fator inevitável. Há Estados que geram menos e, por isso, têm menos recursos para investir. Por isso, mesmo com os preços em queda, a Internet no Brasil é um fenômeno de classes A, B  e, mais recentemente, C. Ela é desigual e desigualmente distribuída. Tecnicamente as operadoras são pouco inovadoras. As oportunidades são imensas e todas as operadoras andam muito devagar, as fixas e as móveis.
 
Mas há recursos humanos para aproveitar estas oportunidades?
 
I.M_Na parte de oferta de recursos humanos, há um problema de números. Temos recursos competentes, mas em número muito aquém do que seria necessário. As empresas que querem inovar têm esse problema de encontrar recursos qualificados. Por isso somos contra a regulamentação da profissão de cientista da computação, que estão querendo ressuscitar agora. O mercado sabe selecionar quem sabe e quem não sabe. Há outra coisa: da mesma maneira que reclamo das empresas de telecomunicações pela ausência de vigor na sua engenharia de telecomunicações e redes, a indústria brasileira em geral é medíocre em praticamente todos os setores.
 
Sem exceções?
 
I.M_Há exceções como Petrobras, Embraer e Embrapa, mas fora isso, acabou. O resto é medíocre. Nossa indústria não contrata PhDs. Há uma perversidade em que a universidade prepara indivíduos que são subutilizados pelo mercado, por isso eles estão nas universidades dando aula e acabam dedicando-se a temas desvinculados das cadeias de valor nacionais. Nossos cientistas produzem papers para a indústria de Primeiro Mundo.
 
Qual seria a solução para isso?
 
I.M_Haveria uma saída, que seria criar startups dentro das universidades, ou em parceria com elas, mas isso está sendo impedido por órgãos de fiscalização. São muito restritivos naquilo que acham que as universidades podem fazer. Isso piorou muito nos últimos dez anos. Antes, havia mais liberdade para as universidades públicas, mas as restrições impostas às federais pelo Tribunal de Contas da União, e às estaduais, pelos tribunais de contas estaduais, vão levar as universidades a se transformarem em colégios de terceiro grau. O problema é que de um lado há uma indústria medíocre e, de outro, profissionais competentes, mas não se consegue misturar os dois.
 
O senhor considera a Akwan Technologies um exemplo de parceria entre mercado e universidade?
 
I.M_Sim, a Akwan foi um produto dessa união. Alunos de doutorado, junto com seus professores, se uniram em 2001, para a criação de uma máquina de busca. Foi um exemplo de um grupo tecnicamente sofisticado que se aliou a um grupo de investidores. Corajosamente concorríamos com o Google aqui no Brasil, e conseguíamos isso por conta da qualidade de nossa máquina de busca, que usava algoritmos de  estado da arte. Outro diferencial nosso é que só coletávamos dados no Brasil e, com isso, conseguíamos renovar nossa base com muito mais rapidez. Atualizávamos os dados referentes ao Brasil inteiro várias vezes por mês e, com isso, nossos resultados eram sempre mais recentes.  Na mesma época, o Google estava criando seus algoritmos. Outra razão de nosso sucesso é que nós permitíamos a clientes como UOL, iG e jornais exibirem sua própria publicidade com a nossa máquina de busca, enquanto, com o Google, tinham de usar AdWords e AdSense, uma  razão a mais para não mudar.
 
Como foi a aproximação com o Google?
 
I.M_Nossos técnicos se encontravam com os técnicos do Google nas conferências internacionais, eles se conheciam. Um dia, o vice-presidente de engenharia deles estava indo para o Chile e os técnicos do Google sugeriram que ele fosse a Belo Horizonte conhecer uns  nerds que havia por lá. Ele esteve aqui e o levamos para conhecer a Akwan, era um andar com tudo aberto e duas salas de reunião de vidro. Ele olhou do outro lado da rua e perguntou o que havia ali. Disse que era a universidade. Ele disse que éramos iguais a eles, cinco anos antes. Logo depois mandou uma equipe deles passar um período em nossa empresa.
 
E como o negócio evoluiu?
 
I.M_Eles demonstraram interesse, nosso pessoal foi à Califórnia, eles vieram para cá. Foram meses de negociação ao fim dos quais eles  compraram a empresa inteira. Acabamos transformados num centro de pesquisa e desenvolvimento do Google. Não é customização, é desenvolvimento mesmo. É uma operação muito robusta. Não tem nada a ver com o escritório de São Paulo. A operação aqui é ligada a outra vice-presidência. É uma coisa importante. Tenho orgulho da contribuição para a autoestima das pessoas. Vemos aqui a meninada, que adotou isso como exemplo do que é possível. 
 
E hoje, em que projetos o senhor está envolvido?
 
I.M_Hoje estou envolvido com outra startup, uma empresa de data mining, que trabalha com big data de mídias sociais, chamada Zahpee, e estamos indo muito bem. Temos capacidade para organizar grandes quantidades de dados. Um dos monitoramentos que fizemos foi o da Copa – no primeiro dia processamos 1,2 milhão de posts do Facebook e Twitter. Temos estrutura para organizar e apresentar isso em tempo real para o cliente. É um produto mais sofisticado que o Akwan. Lá sou sênior nerd e responsável por subir a média de idade da empresa em duas décadas.
 
Há quanto tempo a Zahpee está no mercado?
 
I.M_O produto mesmo está operando há três anos. Mas migramos e mudamos de modelo de negócio, então este é o primeiro ano de operação robusta da empresa. Começamos no mercado este ano e já devemos atingir o equilíbrio. Temos esperança disso. Estamos indo bem. Este é um ano importante para nós, com a Copa e eleições, com as redes sociais sendo entendidas como importantes. O timing tem sido bom.
 
Fonte: Revista .br - Ano 05 | 2014 | Edição 07 - Página 58